Apesar do título, não vou falar de vinhos, nem de floresta. Minha Reserva não cabe em tonéis, nem tem edição limitada; tampouco pode ser demarcada para preservação. Minha Reserva - e digo minha só porque sou eu que estou escrevendo sobre ela, pois que a ela nem se aplica exatamente a ideia de propriedade - é de outro tipo.
O
último piquenique, apesar da ausência-presente da Veronika, foi delicioso... O dia amanheceu nublando (assim mesmo, no gerúndio), mas logo o sol apareceu para nos esquentar e iluminar nosso piquenique. A toalha estendida, as comidinhas espalhadas, e muitas conversas com aqueles que vão se tornando familiares e com aqueles que apareciam pela primeira vez. Um experimentadinha no quitute novo, e uma experimentadinha na conversa nova; uma capitulação à receita já conhecida e um novo sabor na conversa familiar. Tudo bem longe do tempo do relógio, que na praça o tempo é que nem a toalha: se estica, se espraia, perde a borda.
E tem pão quentinho, tem berinjela temperadinha, tem bolo de banana, sanduichinho de ovo, café quentinho, chá, suco de buriti (delicioso!)... E tem a compota da Chus que, juro para vocês, é tão luminosa que parece que ela colheu a manhã ensolarada, misturou com açucar e guardou lá dentro. E tem tanto cuidado e carinho, nas farinhas, ovos, frutas, nos óleos, no açucar e no sal... A gente sai do piquenique satisfeito - de barriga e coração quentinhos.
E é por isso que eu falei de Reserva. Sabe num dia que nem hoje? Cinzento, chuvoso, de caos no trânsito? Então. A cada piquenique a gente monta uma reservinha - da hora em que começa a se preparar à hora em que decide levantar acampamento - de luminosidade, quentura e paciência. E sabe naqueles dias de tristeza, em que o cinza é dentro da gente? Então. A alma acostumada a se esticar nos piqueniques cutuca o cinza, até a gente lembrar que a vida passa rápido - e que por mais funda que seja a melancolia, de repente tem um outro dia e a gente abre a janela, tira o pó dos móveis, bate as colchas e põe no forno alguma coisa que cheire até não deixar vestígio de sombra. E nos dias de absoluta solidão? A gente pode acorrer à reservinha de partilha, risadas, gritos infantis cheios de descobertas ou mesmo recuperar o silêncio de esticar o ouvido para ouvir melhor o grilo que se esconde na grama alta.
Nos piqueniques, a gente faz uma reservinha de vida bem vivida - com prazer, boa companhia e sem pressa. Partilhando uns minutinhos que viram horinhas de conversa, que viram dias inteiros de brincadeira, que viram meses de convívio e troca. Pra lembrar a gente de como é boa essa vida sem agenda.